Fotolitografia: a técnica por trás dos nossos processadores

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Felipe Picard - 13/09/21

A história de como eu descobri que microchips são feitos utilizando fotolitografia foi interessante. Eu sempre fui muito inquieto e gostei de pensar em como as coisas funcionam. Por conta disso, assim como muita gente entusiasmada com tecnologia, eu me deparava muitas vezes com frases como “processadores são formados por bilhões de transistores” ou “toda a informação presente em um computador é formada de zeros e uns”. Essa última foi especialmente engraçada, pois quando eu ouvi isso pela primeira vez eu tinha uns 10 anos, e assim que cheguei em casa fui olhar bem de perto a tela do meu computador para procurar os númerozinhos.

Enfim... com o passar do tempo, fui entendendo melhor o que queriam dizer com “bilhões de transistores” e “zeros e uns”, mas uma questão permanecia: como é possível espremer tantos transistores em um espaço tão pequeno? Eu não conseguia pensar em equipamento algum capaz de montar componentes tão pequenos de forma tão precisa em um chip. Quanto mais eu ponderava, mais mirabolantes eram as soluções que me vinham à mente. E nenhuma delas era capaz de explicar tal acurácia. Foi então que encontrei um vídeo (infelizmente não consegui encontrá-lo quando estava escrevendo esse texto) sobre a produção de microchips. Tratava-se de uma palestra, e em determinado momento, o apresentador desafiava uma garotinha a escrever seu nome em um grão de arroz usando um marcador imenso. Impossível, certo? Também foi o que a menina pensou. O apresentador então pega um filme transparente e pede para ela escrever seu nome normalmente com o marcador. Feito isso, ele ilumina o filme e usa uma lente para focalizar a luz em um ponto próximo do grão de arroz, projetando a imagem nele. Pronto! Agora o nome da menina estava escrito com clareza em um objeto com menos de dois centímetros de largura.

Os minuciosos transistores são construídos nos substratos dos circuitos integrados utilizando uma técnica similar àquela empregada para projetar o nome da garota no grão de arroz. Lembro como fiquei surpreso com a simplicidade da técnica em relação à minhas especulações espalhafatosas, e até hoje fico contente quando me deparo com algo que parece complicado, mas pode ser solucionado de formas simples. Frequentemente, as soluções mais simples são as mais elegantes.

Por definição, fotolitografia é uma técnica que utiliza luz para reproduzir uma imagem ou texto em algum material. Historicamente, a litografia era inicialmente utilizada para produzir figuras1, mas com o tempo a indústria da microeletrônica percebeu que poderia usá-la com luz, ou seja, fotolitografia, para fabricar circuitos integrados. O processo utiliza luz para transferir um padrão, ou máscara, para um substrato (geralmente um “wafer” de silício). O wafer começa coberto com uma camada fina de um filme sensível à luz, que sofre alterações químicas quando iluminado. Essas alterações permitem que as regiões do filme modificadas pela luz sejam removidas ou que outros materiais sejam depositados em seu lugar através de processos químicos ou físicos2. Esse processo pode ser realizado diversas vezes, de forma que o circuito final tenha um conjunto de camadas, cada uma com uma geometria/padrão e material específicos. A figura abaixo ilustra o uso da fotolitografia para criação de um quantum dot a partir da remoção de material do substrato.3

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Quantum dot fabricado por fotolitografia

Para melhor entender como isso é feito, vamos pegar um exemplo um pouco mais concreto: o circuito integrado (CI) µL914, da empresa Fairchild Semiconductor. O chip, apresentado na figura abaixo, possui dois circuitos lógicos, que recebem duas entradas e, dependendo dos seus sinais, geram, ou não, um sinal de saída.

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Circuito integrado µL914

Os circuitos lógicos, por sua vez, seguem um circuito elétrico constituído de transistores e resistores, ilustrado abaixo. Todos esses componentes precisam caber dentro deste pequeno chip, que mais parece um polvo, com suas oito perninhas.

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Diagrama eletrônico do µL914. Resistores são os componentes ondulados e transistores são os componentes com uma seta, que fazem três conexões

A equipe do blog Evil Mad Scientist4 fez um incrível trabalho em desencapar o chip e analisar suas entranhas. Após a remoção da cápsula preta do chip, um pequeno componente quadrado, de lado menor que 2 milímetros, fica à mostra. Uma análise sob o microscópio revela os componentes eletrônicos e suas conexões, que foram cuidadosamente mapeadas pela equipe para gerar um modelo no CAD e uma representação em larga escala, feita em acrílico. Os componentes quadrados, como o circulado em amarelo, são transistores, enquanto os que parecem ossos de desenho animado, como o circulado em rosa, são resistores.

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Esquerda: microscopia do circuito do CI. Um transistor circulado em amarelo e um resistor circulado em rosa; Meio: Réplica do circuito feita em acrílico; Direita: Um único transistor replicado em acrílico

Olhando o modelo em acrílico, é possível observar que o chip é constituído de várias camadas e materiais, indicados pelas diferentes cores. E a criação de cada camada segue os mesmos passos fundamentais: deposição do filme sensível à luz na camada anterior, iluminação da área de interesse através de moldes e fotolitografia, remoção do material iluminado, e adição de novo material.

O µL914 foi o primeiro circuito integrado a ser comercializado em larga escala, então sua arquitetura é muito simples, sendo ótimo para ilustrar as etapas utilizadas na produção de um chip. Enquanto ele só possui quatro transistores ativos, um processador moderno contém bilhões de transistores. A indústria da microeletrônica evoluiu de forma tão rápida, que, até recentemente, havia uma tendência em se dobrar o número de transistores em um processador a cada dois anos. Essa linha de desenvolvimento era tão nítida que recebeu o nome de Lei de Moore, em homenagem a Gordon Moore, que foi o primeiro a evidenciar esse fenômeno. Ironicamente, Gordon Moore foi o cofundador da Farichild Semiconductor, empresa que produzia o µL914.5

A incessante redução no tamanho dos transistores exigiu que a indústria se reinventasse e buscasse soluções para continuar satisfazendo a Lei de Moore. Dos anos 1960, quando o µL914 foi criado, para cá, o tamanho dos transistores passou de 10 µm para menos de 10 nm.6 Uma redução de 1000 vezes!

Transistores modernos são tão pequenos, que o comprimento de onda da luz ultravioleta (na casa das centenas de nanômetros), utilizada antigamente no processo de fotolitografia, é dezenas de vezes maior do que os próprios transistores! Seria como tentar encaçapar bolas de ginástica em uma mesa de sinuca de tamanho normal... Impossível! As fábricas precisaram trocar a fonte de luz/radiação utilizada nas máquinas de litografia para raios-X, que podem chegar a comprimentos de onda inferiores a 1 nm.7

Embora a lei de Moore tenha se mostrado consistente nos últimos anos, ela está prestes a se invalidar. Para entendermos o porquê, precisamos antes saber como funciona um transistor. De forma simplificada, um transistor funciona basicamente como um interruptor eletrônico. Este componente eletrônico possui três terminais: emitter (emissor), collector (coletor) e base (base), com o emissor e coletor separados pela base. Para utilizar um transistor como interruptor, conectamos algo que queiramos ligar ao coletor, nossa fonte de alimentação ao emissor e podemos controlar se a corrente vai fluir de uma região para a outra aplicando um sinal à base. Isso é possível porque, no caso de um transistor NPN, tanto o emitter como o collector são compostos por um material rico em elétrons, também chamado de negativamente dopado, enquanto o base é positivamente dopado, sendo rico em “buracos” (os buracos podem ser pensados como a ausência de elétrons). A deposição desses materiais e suas dopagens são feitas com o auxílio da fotolitografia e tratamentos químicos que foram mencionados anteriormente. Ao aplicarmos uma voltagem positiva à base, ligando-a ao polo positivo de uma bateria, por exemplo, elétrons são atraídos para essa região, criando uma ponte entre o emitter e o collector, permitindo que carga flua através do circuito montado. Existem também transistores do tipo PNP, cuja dopagem é “invertida” em relação aos NPN. Em termos de lógica, quando a base conecta os dois outros terminais, consideramos esse sinal como 1. Caso contrário, 0.8

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Perfil de um transistor NPN planar e seus terminais: E (emitter), B (base), C (collector)

Agora que entendemos o funcionamento dos transistores, podemos entender por que lei de Moore está prestes a atingir uma barreira fundamental: o tamanho dos transistores está tão diminuto que elétrons são capazes de “pular” do emissor para o coletor sem que a base possa controlá-los. Isso se dá por meio de um fenômeno chamado tunelamento quântico. Um único átomo de hidrogênio possui 0,2 nm de diâmetro, aproximadamente, enquanto transistores modernos possuem apenas alguns nanômetros de comprimento. Esse limite foi previsto por Moore, que constatou em uma entrevista que “Em termos de tamanho [dos transistores], você pode ver que estamos chegando na dimensão de átomos, que é uma barreira fundamental, mas levará mais duas ou três gerações até realmente chegarmos a esse ponto ­– mas isso é o mais longe que poderemos chegar. Ainda tempos 10 ou 20 anos antes de chegarmos a esse limite fundamental. [...]”.9 A entrevista aconteceu em 2005...

Eu gostaria de poder finalizar este texto dizendo algo como “Mas recentemente, um novo material, invariável a fenômenos quânticos, foi descoberto e vai possibilitar o surgimento de transistores menores”, mas isso simplesmente não é possível. Especialmente para materiais na nanoescala, que inclusive são usados para estudar esses fenômenos, por serem tão pequenos. Isso não quer dizer, entretanto, que o desenvolvimento tecnológico da indústria eletrônica vai se encerrar. A principal mudança será nos objetivos dessas grandes corporações, que ao invés de focar puramente em diminuir o tamanho dos transistores, vão focar em como otimizar suas aplicações. Por exemplo, o mesmo fenômeno de tunelamento que impossibilita a redução do tamanho de transistores atuais está sendo explorado por pesquisadores, através do uso de nanomateriais diferentes do silício, para fabricar transistores de tunelamento10, que consomem menos energia e quase não geram calor, podendo ser usados como biosensores em tecidos sensíveis ao calor, como nosso cérebro11. Novas arquiteturas de processadores, computação quântica, inteligência artificial e computação molecular são outras áreas que podem se desenvolver imensamente nos próximos anos. Portanto, não há porquê ficar desanimado. Ainda há muito para se explorar!

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